O texto seguinte encontra-se disponivel em debatereducacao.pt, utilizador siul50, desde Novembro de 2006.
O despacho referido ainda não tinha número quando se deu a reunião de grupo, de onde saíu excerto de acta, trata-se do Despacho nº 13599/2006 de 28 de Junho de 2006.
O insucesso escolar é um problema de aprendizagem, não de ensino.
Ponto 2:Relativamente ao nº3 do art. 10º do despacho entregue no Conselho Pedagógico de sete de Julho de 2006, com a seguinte redacção:
“ 3. Os docentes titulares da turma, disciplina e de educação especial que integram a equipa pedagógica são responsáveis pela evolução das aprendizagens dos alunos, sob a supervisão do director de turma.”.
Os docentes do 1º grupo alertam para a incongruência deste enunciado fazendo notar que no processo ensino aprendizagem existem duas componentes básicas com diferentes responsáveis.
À escola e aos professores cabe a organização do ensino nas suas diferentes vertentes nomeadamente, planificação, leccionação, fiscalização, avaliação e validação com a devida comunicação dos resultados.
Neste processo cabe-lhes a motivação didáctica tentando na medida das limitações ligar as matérias à realidade para dar sentido ao que se pretende que os alunos aprendam e criando dentro do possível situações que constituam desafios adequados para os estudantes.
Cabe ainda aos professores a exigência do cumprimento das regras e de comportamentos adequados.
Dos estudantes espera-se que mantenham e cultivem comportamentos a atitudes adequados ao seu nível etário e consentâneos com o grau de ensino que frequentam, em particular, a participação nas aulas, a tomada de atenção o cumprimento das recomendações dos professores e a execução das tarefas que lhes são propostas dentro ou fora da sala de aula, de modo a cumprirem, com empenho e perseverança, a parte que lhes cabe neste processo.
Acresce a estes dois aspectos uma vertente social que transcende a escola, apesar dos esforços desenvolvidos, e que carece de medidas apropriadas.
É importante que haja uma valorização social do papel da escola e dos saberes.
Um método de ensino para produzir aprendizagens e desenvolvimento de competências tem de integrar harmoniosamente estes três factores, não podendo caber a totalidade da responsabilidade do sucesso apenas a um dos intervenientes.
Nada mais havendo a tratar, deu-se a reunião por encerrada, da qual foi lavrada esta acta.
Este foi o texto possível a nível de grupo conciliando a forma acerca de um assunto acerca do qual todos estiveram de acordo quanto ao conteúdo e elaborado para uma acta e para apreciação nos grupos disciplinares, com vista a uma tomada de posição acerca de um erro consignado em legislação.
Entendo no entanto que é necessário desenvolver o tema e aborda-lo de um modo mais cru.
O enunciado do artigo em questão atribui a responsabilidade pelas aprendizagens dos alunos aos professores. E são-no realmente?
É responsável por algo ou alguém, aquele que responde por…
Mas só é responsável quem detém poder e capacidade de acção sobre o objecto da responsabilidade.
È um médico responsável pela cura ou não cura do doente?
Ao médico cabem o diagnóstico e a prescrição. Ao paciente, para se curar, cabe a execução da prescrição. O médico não tem poder sobre o paciente mas este está motivado para o cumprimento das suas indicações.
Não passa pela cabeça de ninguém exigir responsabilidade ao médico no caso de não cumprimento das suas indicações.
No entanto é isso que se passa no ensino.
O texto do artigo em questão pressupõe a existência de um método qualquer de ensino que produz as aprendizagens pretendidas nos alunos independentemente da vontade destes e dos seus comportamentos. Assim, se o aluno não aprende verificou-se um erro ou uma omissão qualquer a nível de ensino.
O ensino é na escola um processo destinado a indivíduos mas organizado de um modo colectivo.
A aprendizagem é um processo mental e como tal individual e intransmissível mesmo que os processos de trabalho sejam colectivos.
MATEMÁTICA B 10º ano Porto Editora; NEVES, Maria Augusta; Guerreiro, Luís; Pereira, Albino.
Pág. 8 O primeiro objectivo do estudo da matemática é desenvolver a capacidade de resolver problemas. Mas adquirir esta capacidade não é trabalho para um dia nem para uma semana. Trata-se antes, de querer muito, ter paciência, persistência, observação, raciocínio, integração de conhecimentos adquiridos em experiências anteriores, saber colocar questões e ter espírito crítico.
Assim o é nas outras disciplinas também.
No entanto:
“O comportamento dos alunos desta turma torna impossível qualquer aprendizagem.
Conversam sem prestar a mínima atenção ao que o professor explica nem aos exemplos que ilustram as matérias abordadas. Não tentam executar as tarefas propostas pelo professor, continuando a conversar, e ao serem exortados a executá-las, o que é indispensável para a compreensão e aquisição dos conhecimentos e competências, limitam-se a retorquir que estão à espera que o professor faça para então passarem do quadro.
Se abrem o caderno, este é fechado no fim da aula para só voltar a ser aberto na aula seguinte e são incapazes de consultar a lição anterior para utilizarem a informação fornecida.
A conversa em surdina é generalizada e, quando se chama a atenção, acham que não é nada com eles. Alguns calam-se mas os outros continuam. É preciso gritar para acreditarem que é a eles que o professor se está a dirigir. Finalmente calam-se para pouco depois tudo voltar ao mesmo. Alguns distinguem-se, falando muito alto, dando origem à ordem de saída da sala e respectiva participação.
Verificam-se comportamentos infantis como: assobiar, atirar aviões de papel ou levantar e deixar cair a mesa, enquanto o professor está voltado para o quadro e, se não conversam, tiram discretamente os telemóveis dos bolsos, manuseando-os por baixo das mesas para enviarem mensagens. É impossível localizar quem o fez e são solidários nestes comportamentos, não permitindo a identificação dos responsáveis.”
Este é o comportamento que tenho observado, com algumas variações, em metade das turmas que me foram atribuídas nos últimos dez anos todas dos três níveis do ensino secundário, o que em termos estatísticos constitui uma amostra razoável.
Finalmente resta saber se o erro foi intencional, ou se, como espero, foi apenas um lapso ou ainda, e a experiência profissional não me permite descartar esta última hipótese, se foi uma manifestação de ignorância das realidades e relações sociais e educativas da parte de quem por inerência das suas responsabilidades devia mostrar outro grau de competência.
Luís Torgal
Professor de matemática, Setúbal